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05/05/2025

O cardinalato e o conclave: história, direito e exceções

Na arquitetura institucional da Igreja Católica, o cardinalato ocupa um lugar singular, entre tradição milenar e adaptação às realidades contemporâneas. Esta dignidade, que não é nem uma ordem sacramental nem uma simples função honorífica, constitui um dos pilares do governo eclesiástico universal. O próximo conclave de 2025, que verá notadamente a participação do cardeal Timothy Radcliffe, um dominicano que não recebeu a ordenação episcopal, oferece a oportunidade de explorar a riqueza histórica, teológica e canônica desta instituição.

O cardinalato encarna a fecunda tensão entre permanência e mudança que caracteriza a Igreja Católica: enraizado na estrutura do antigo clero romano, evoluiu ao longo dos séculos para se tornar a expressão da universalidade eclesiástica. Sua missão primária, eleger o sucessor de Pedro, é acompanhada por uma função consultiva junto ao pontífice reinante, numa sutil dialética entre serviço local e dimensão universal.

Este artigo propõe-se a examinar os fundamentos jurídicos do cardinalato, sua organização tripartida tradicional, a relação complexa que mantém com o episcopado, e os casos particulares que marcaram sua história. Esta exploração nos conduzirá naturalmente ao conclave, esse momento excepcional em que o colégio cardinalício exerce sua prerrogativa mais emblemática: dar um novo pastor à Igreja universal.

I. Fundamentos e Natureza do Cardinalato

O termo "cardeal" encontra sua origem no latim cardinalis, derivado de cardo (gonzo, pivô), evocando a ideia de um elemento essencial em torno do qual se articula uma estrutura mais vasta. Esta etimologia ilustra perfeitamente a posição central que os cardeais ocupam no edifício eclesial católico, na interface entre o pastor universal e as Igrejas particulares.

Uma Dignidade, Não um Sacramento

Contrariamente a uma concepção difundida, o cardinalato não constitui um quarto grau do sacramento da Ordem, ao lado do diaconato, do presbiterato e do episcopado. Trata-se de uma dignidade eclesiástica, uma função de governo e de serviço que se institucionalizou progressivamente durante o primeiro milênio cristão. Esta distinção fundamental explica por que, historicamente, homens de vários estados eclesiais puderam aceder a esta função.

A história do cardinalato está enraizada na estrutura particular do clero romano dos primeiros séculos. Em torno do Bispo de Roma gravitava um presbitério composto por sacerdotes titulares de igrejas urbanas (os tituli), bispos das dioceses circundantes (as sedes suburbicárias) e diáconos encarregados das obras caritativas. Esta organização local tornou-se, através de um processo de universalização progressiva, o modelo do atual Sacro Colégio.

A missão dos cardeais cristalizou-se em torno de duas funções essenciais: a eleição do Sumo Pontífice, formalizada no século XI por Nicolau II (1059), e o conselho junto ao papa reinante. Estas duas dimensões, eletiva e consultiva, fundam a identidade cardinalícia até hoje.

A Evolução das Condições de Acesso

O direito canônico contemporâneo, herdeiro de uma longa maturação histórica, define precisamente as condições requeridas para aceder ao cardinalato. O Código de Direito Canônico de 1983, em seu cânon 351 §1, estipula:

"Para a promoção ao Cardinalato, o Pontífice Romano escolhe livremente homens que sejam constituídos ao menos na ordem do presbiterato, e que se distingam por sua doutrina, costumes, piedade e prudência na gestão dos negócios."

Esta formulação sintetiza várias evoluções significativas. Primeiramente, a exigência mínima do presbiterato, introduzida pelo Código de 1917, marca uma ruptura com uma tradição que admitia a nomeação de diáconos, ou até mesmo de simples leigos. O último cardeal não-sacerdote foi Teodolfo Mertel (1806-1899), jurista dos Estados Pontifícios, criado cardeal-diácono em 1858 quando havia recebido apenas o diaconato.

Em segundo lugar, as quatro qualidades mencionadas – doutrina, costumes, piedade e prudência – desenham o perfil ideal do cardeal, ao mesmo tempo intelectual, espiritual e pastoral. Esta definição qualitativa, intencionalmente ampla, permite reconhecer formas diversas de excelência eclesial.

Um ponto de virada importante ocorreu em 1962, quando João XXIII, através do Motu proprio Cum gravissima, estabeleceu o princípio segundo o qual todo novo cardeal deve receber a ordenação episcopal. Esta medida, coerente com a eclesiologia do Vaticano II que se abriria alguns meses depois, inscreveu mais fortemente o cardinalato na perspectiva da colegialidade episcopal. Todavia, o mesmo texto previa a possibilidade de uma dispensa pontifícia, moderando assim o caráter absoluto da regra.

Esta flexibilidade permite honrar personalidades excepcionais – teólogos, confessores da fé, religiosos eminentes – cuja vocação específica não se acomodaria necessariamente ao encargo episcopal. Entre as dispensas recentes, citemos os casos do jesuíta Roberto Tucci (2001), organizador das viagens pontifícias, do exegeta Albert Vanhoye (2006), do pregador capuchinho Raniero Cantalamessa (2020), ou ainda do teólogo dominicano Timothy Radcliffe (2023).

A cerimônia de criação dos cardeais, o consistório, reveste-se de uma dimensão tanto jurídica quanto simbólica. A imposição do barrete vermelho pelo papa, a entrega do anel cardinalício e a atribuição de um título ou de uma diaconia romana constituem os gestos rituais pelos quais um eclesiástico se integra formalmente ao Sacro Colégio. A cor púrpura, evocativa do sangue, simboliza a disposição do cardeal para testemunhar Cristo até o martírio se necessário, lembrando que esta dignidade é antes de tudo um serviço radical.

II. A Estrutura Tripartida do Colégio Cardinalício

A organização do Colégio dos Cardeais em três ordens distintas – cardeais-bispos, cardeais-presbíteros e cardeais-diáconos – constitui uma das características mais notáveis e duradouras desta instituição. Esta tripartição, longe de ser uma simples curiosidade histórica, reflete a própria gênese do cardinalato e conserva, apesar de seu caráter hoje amplamente honorífico, um significado eclesiológico profundo.

Gênese e Desenvolvimento Histórico

A origem desta estrutura tripartida remonta aos primeiros séculos da Igreja romana. Em torno do Bispo de Roma haviam se constituído progressivamente três círculos de clérigos: os bispos das dioceses circundantes (suburbicárias), os sacerdotes responsáveis pelas principais igrejas urbanas (tituli), e os diáconos encarregados das obras de caridade a partir de suas diaconias. Estes três grupos, inicialmente funcionais e territoriais, institucionalizaram-se progressivamente para formar, a partir do século XI, o Colégio Cardinalício que conhecemos.

A reforma eleitoral de Nicolau II, em 1059, consagrou definitivamente esta organização tripartida reservando somente aos cardeais o direito de eleger o papa. Ao longo dos séculos, enquanto a dimensão local romana se esmaecia em favor de uma representação universal, a distinção entre as três ordens se manteve como um elemento estruturante do colégio, tanto simbólico quanto jurídico.

Os Cardeais-Bispos: Primazia e Presidência

Os cardeais-bispos constituem a ordem superior dentro do Colégio. Tradicionalmente, são titulares das sete sedes suburbicárias históricas: Óstia (reservada ao decano do Colégio), Porto-Santa Rufina, Albano, Frascati, Palestrina, Sabina-Poggio Mirteto e Velletri-Segni. Estas sedes, que geograficamente circundavam Roma, simbolizam o estreito vínculo entre o sucessor de Pedro e seus primeiros colaboradores episcopais.

Uma reforma importante ocorreu sob Paulo VI (1965) com o Motu proprio Ad purpuratorum Patrum. Doravante, apenas seis cardeais podem portar o título de uma sede suburbicária, independentemente da função pastoral efetiva destas dioceses, confiada a outros bispos. Trata-se dos seis cardeais mais antigos por ordem de criação, recebendo o decano automaticamente o título de Óstia além daquele que já detinha.

O Papa Francisco introduziu outra inovação significativa em 2018, integrando na ordem dos cardeais-bispos certos patriarcas das Igrejas orientais católicas, sem lhes atribuir uma sede suburbicária. Esta decisão reconhece seu status particular na comunhão eclesial e sublinha a dimensão universal do Colégio.

Os cardeais-bispos gozam de uma precedência protocolar e exercem funções específicas, especialmente durante os conclaves e consistórios. O decano do Sacro Colégio, atualmente o cardeal Giovanni Battista Re, ocupa um papel particularmente eminente: preside o Colégio durante a vacância da Sede apostólica e, se sua idade o permite, dirige ao eleito a questão ritual de aceitação do pontificado.

Os Cardeais-Presbíteros: Universalidade e Pastoralidade

Os cardeais-presbíteros representam numericamente a maioria do Sacro Colégio. Trata-se essencialmente de bispos diocesanos de grandes metrópoles católicas em todo o mundo: arcebispos de Paris, Nova York, Kinshasa, São Paulo, Sydney, etc. Sua presença manifesta a dimensão universal da Igreja e a participação das Igrejas particulares no governo central.

Cada cardeal-presbítero recebe o título de uma igreja romana, chamada seu titulus, perpetuando assim simbolicamente a organização primitiva do clero da Urbs. Este vínculo com uma comunidade romana precisa lembra que o cardinalato, tendo se tornado uma instituição universal, encontra sua origem na estrutura local da Igreja de Roma. O cardeal estabelece geralmente uma relação particular com sua igreja titular, celebrando ocasionalmente nela e contribuindo às vezes para sua manutenção ou restauração.

Se, historicamente, os cardeais-presbíteros exerciam funções litúrgicas específicas durante as celebrações papais, esta dimensão funcional atenuou-se consideravelmente desde a reforma litúrgica consecutiva ao concílio Vaticano II. A Constituição Sacrosanctum Concilium (1963) e a subsequente revisão dos livros litúrgicos simplificaram as cerimônias pontificais e esfumaçaram as distinções rituais entre as diferentes ordens cardinalícias. Atualmente, seu papel litúrgico limita-se essencialmente a uma questão de precedência nas procissões e na disposição no coro.

Os Cardeais-Diáconos: Serviço e Administração

A ordem dos cardeais-diáconos, terceira componente do Colégio, compreende principalmente prelados da Cúria romana, teólogos, diplomatas ou administradores. Conforme a etimologia do diaconato (serviço), eles encarnam a dimensão ministerial e operacional do governo central da Igreja.

Cada cardeal-diácono recebe o título de uma diaconia romana, igreja ou basílica tradicionalmente associada às obras de caridade. O vínculo com estes lugares evoca a missão original dos sete diáconos da Igreja primitiva, encarregados do serviço das mesas e da assistência aos necessitados (Atos 6, 1-6).

Uma particularidade desta ordem reside na possibilidade, para um cardeal-diácono que tenha passado dez anos nesta condição, de pedir sua elevação à ordem dos cardeais-presbíteros (optatio). Sua diaconia pode então ser elevada pro hac vice (por esta vez) ao grau de título presbiteral. Esta potencial mobilidade testemunha a flexibilidade institucional do Colégio.

O cardeal-protodiácono, isto é, o mais antigo dos cardeais-diáconos por data de criação, assume uma função cerimonial particularmente visível: é ele quem, da varanda central da basílica de São Pedro, proclama o Habemus Papam e anuncia o nome escolhido pelo novo eleito. Este momento mediático intenso constitui uma das raras ocasiões em que a organização interna do Colégio Cardinalício se manifesta publicamente.

Significado Contemporâneo de uma Estrutura Antiga

Se a distinção entre as três ordens cardinalícias conserva hoje uma dimensão amplamente protocolar, ela permanece portadora de um significado eclesiológico profundo. Lembra primeiramente que o cardinalato se enraíza na estrutura ministerial tripartida da Igreja (bispos, presbíteros, diáconos), transcendendo-a ao mesmo tempo como serviço específico.

Esta organização reflete igualmente a diversidade dos carismas e dos serviços necessários ao governo eclesial: a dimensão episcopal e colegial (cardeais-bispos), o enraizamento pastoral nas Igrejas particulares (cardeais-presbíteros), e o serviço administrativo e teológico (cardeais-diáconos). É precisamente esta complementaridade que permite ao Colégio assistir eficazmente o papa em sua missão universal.

Finalmente, a persistência desta estrutura antiga, através das mutações históricas e das reformas sucessivas, ilustra o gênio próprio do catolicismo romano: integrar as inovações necessárias sem renegar seus fundamentos históricos, assegurar a continuidade institucional permitindo ao mesmo tempo a adaptação às novas realidades.

III. O Cardinalato e o Episcopado: Uma Relação Complexa

A articulação entre cardinalato e episcopado constitui um dos aspectos mais delicados e reveladores da eclesiologia católica contemporânea. Se hoje quase todos os cardeais são bispos, esta convergência é historicamente recente e teologicamente complexa, revelando as tensões fecundas entre tradição romana e universalidade eclesial.

Uma Distinção Histórica Fundamental

Durante a maior parte da história da Igreja, o cardinalato e o episcopado representaram duas dignidades distintas, às vezes complementares mas nunca necessariamente associadas. Esta distinção repousava sobre uma diferença de natureza e de função: o episcopado, enraizado na sucessão apostólica, conferia a plenitude do sacramento da Ordem e a responsabilidade pastoral de uma Igreja particular; o cardinalato, dignidade não sacramental, concernia principalmente à assistência ao papa e à eleição de seu sucessor.

Esta separação conceitual explica por que, durante séculos, numerosos cardeais não eram bispos – notadamente os cardeais-diáconos e certos cardeais-presbíteros – enquanto a imensa maioria dos bispos não eram cardeais. O equilíbrio institucional repousava precisamente sobre esta distinção, que permitia ao papa se cercar de conselheiros provenientes de diferentes estados de vida e portadores de carismas diversos.

A Reforma de João XXIII: Uma Virada Eclesiológica

Em 15 de abril de 1962, alguns meses antes da abertura do concílio Vaticano II, o papa João XXIII publicou o Motu proprio Cum gravissima, que marca uma virada decisiva na relação entre cardinalato e episcopado. Este texto estabelece o princípio segundo o qual todo novo cardeal deve receber a ordenação episcopal, se não a possuir já.

Esta decisão se inscreve num movimento teológico profundo, que encontraria sua expressão doutrinal na Constituição Lumen gentium do Vaticano II. A afirmação da colegialidade episcopal como elemento estruturante da Igreja universal chamava logicamente a uma revalorização do vínculo entre cardinalato e episcopado. Se os bispos, em comunhão com o papa, governam colegialmente a Igreja universal, tornava-se coerente que os principais conselheiros e eleitores do pontífice participassem plenamente desta colegialidade através da ordenação episcopal.

Todavia, a mesma carta apostólica previa a possibilidade de uma dispensa pontifícia desta obrigação, reconhecendo assim que circunstâncias particulares podiam justificar a manutenção de um cardinalato sem episcopado. Esta disposição prudente permitia preservar certas situações específicas, notadamente as dos religiosos cuja vocação própria podia parecer dificilmente compatível com o encargo episcopal.

Os Fundamentos Canônicos Atuais

O Código de Direito Canônico de 1983 confirma esta evolução mantendo a possibilidade de exceções. O cânon 351 §1 dispõe com efeito que os cardeais não bispos "devem receber a consagração episcopal", mas acrescenta imediatamente que "o pontífice romano pode dispensar desta obrigação". Esta formulação equilibrada testemunha uma vontade de integrar o cardinalato na eclesiologia de comunhão desenvolvida pelo Vaticano II, preservando ao mesmo tempo a flexibilidade necessária à diversidade das situações e dos carismas.

A prática pontifícia recente ilustra esta tensão criadora. Se a grande maioria dos cardeais criados por João Paulo II, Bento XVI e Francisco receberam a ordenação episcopal, cada pontífice também concedeu dispensas significativas, reconhecendo assim a legitimidade de certas vocações cardinalícias não episcopais.

Perfis e Motivações das Dispensas Contemporâneas

A análise das dispensas concedidas desde 1962 revela vários perfis típicos, refletindo diversos motivos pastorais e eclesiológicos.

Um primeiro grupo concerne aos religiosos pertencentes a ordens tradicionalmente reticentes ao episcopado, notadamente os jesuítas e os dominicanos. A espiritualidade inaciana, por exemplo, coloca particular ênfase na obediência ao papa e na indisponibilidade às honras eclesiásticas. Figuras como os cardeais jesuítas Roberto Tucci (2001), Albert Vanhoye (2006) ou Karl Josef Becker (2012) ilustram esta categoria, assim como o dominicano Timothy Radcliffe (2023). Para estes homens, a dispensa permite conciliar sua identidade religiosa profunda com o serviço cardinalício solicitado pelo papa.

Um segundo motivo concerne à idade avançada. Alguns sacerdotes eminentes são criados cardeais numa idade em que a ordenação episcopal não corresponderia mais a uma realidade pastoral efetiva. A dispensa evita então uma medida que poderia parecer puramente formal e desprovida de significado ministerial concreto.

Um terceiro perfil, mais raro mas significativo, concerne aos "confessores da fé", aqueles sacerdotes que sofreram perseguição e sofrimentos por sua fidelidade à Igreja. O caso emblemático é o do cardeal albanês Ernest Simoni, criado cardeal em 2016 após ter passado quase trinta anos nas prisões e nos trabalhos forçados do regime comunista de Enver Hoxha. Para estes homens, o cardinalato constitui um reconhecimento de seu testemunho heroico, independentemente de sua aptidão ou disponibilidade para o encargo episcopal.

Finalmente, algumas dispensas concernem a teólogos ou especialistas cuja contribuição intelectual à Igreja é julgada excepcional. O cardinalato honra então uma obra doutrinal ou pastoral notável, sem necessariamente implicar a dimensão governamental associada ao episcopado.

O Caso Emblemático do Cardeal Radcliffe

A criação cardinalícia de Timothy Radcliffe, durante o consistório de setembro de 2023, ilustra particularmente bem a complexidade desta questão. Antigo mestre geral da Ordem dos Pregadores (1992-2001), teólogo reconhecido e comunicador carismático, Radcliffe encarna uma tradição dominicana que, sem rejeitar por princípio o episcopado, valoriza mais o magistério intelectual e a pregação que a jurisdição episcopal.

Sua criação como cardeal não bispo, com dispensa explícita, manifesta a vontade do papa Francisco de integrar ao Colégio Cardinalício vozes proféticas provenientes de tradições religiosas específicas. Este gesto se inscreve numa eclesiologia que reconhece a pluralidade dos carismas e a complementaridade das vocações a serviço da Igreja universal.

A participação prevista do cardeal Radcliffe no conclave de 2025 confirma que esta dispensa, longe de ser uma simples formalidade administrativa, possui um alcance eclesiológico profundo: um sacerdote, não bispo, participará plenamente da eleição do sucessor de Pedro, manifestando assim que o cardinalato, ainda que hoje geralmente associado ao episcopado, conserva uma identidade teológica própria e irredutível.

Perspectivas Teológicas e Pastorais

A articulação contemporânea entre cardinalato e episcopado reflete uma tensão criadora no coração da eclesiologia católica. De um lado, a norma da ordenação episcopal para os cardeais expressa a dimensão colegial do governo eclesial e o enraizamento sacramental da autoridade na Igreja. De outro, a possibilidade de dispensas reconhece a diversidade dos carismas e a especificidade do serviço cardinalício, que não se reduz a uma extensão da função episcopal.

Esta tensão não é uma incoerência mas uma riqueza, permitindo articular dimensões complementares: a universalidade e a romanidade, a colegialidade episcopal e a singularidade petrina, a estrutura hierárquica e a diversidade carismática. O cardeal não bispo encarnaria assim, paradoxalmente, a transcendência do serviço eclesial em relação às categorias institucionais, lembrando que o Espírito sopra onde quer e que a Igreja, mesmo sendo estruturada hierarquicamente, permanece antes de tudo uma comunhão viva e diversa.

IV. Cardeais Não Bispos e Conclaves: Uma Tradição Persistente

A participação de cardeais não bispos nos conclaves, longe de ser uma anomalia histórica, se inscreve numa tradição milenar que, apesar da evolução canônica recente, continua a manifestar a natureza específica do cardinalato e sua relação particular com o ministério petrino.

Uma Prática Ancestral em Evolução

Durante a maior parte da história da Igreja, a presença de cardeais não bispos nos conclaves constituía a norma e não a exceção. Até o século XX, numerosos cardeais-diáconos e cardeais-presbíteros não eram ordenados bispos, o que não limitava em nada sua participação plena e inteira na eleição pontifícia. Esta situação refletia a concepção original do cardinalato como representação do clero romano em seus três componentes tradicionais – bispos suburbicários, presbíteros titulares e diáconos – todos legitimamente implicados na escolha do sucessor de Pedro.

A evolução para um cardinalato majoritariamente episcopal realizou-se progressivamente, primeiro como tendência de fato e depois como norma canônica a partir de 1962. Todavia, esta transformação nunca questionou o direito fundamental de todo cardeal, bispo ou não, de participar no conclave desde que satisfaça as outras condições canônicas (notadamente o limite de idade de 80 anos introduzido por Paulo VI em 1970).

Exemplos Significativos Através dos Séculos

A história dos conclaves é marcada por figuras emblemáticas de cardeais não bispos que exerceram uma influência determinante sobre a eleição pontifícia.

Na Idade Média e no Renascimento, poderosos cardeais-diáconos como Alessandro Farnese (1520-1589) ou Scipione Borghese (1577-1633), sobrinhos de papas e mecenas influentes, participavam ativamente nos conclaves sem ter recebido a ordenação episcopal. Sua autoridade procedia mais de sua posição curial, de suas redes políticas e de sua proximidade com o poder pontifício que de uma jurisdição pastoral.

A época moderna conheceu figuras como o cardeal Teodolfo Mertel (1806-1899), jurista dos Estados Pontifícios e último cardeal não sacerdote da história moderna. Nomeado cardeal-diácono por Pio IX em 1858 quando era apenas diácono, participou no conclave de 1878 que elegeu Leão XIII, sem jamais receber a ordenação presbiteral nem episcopal.

Mais recentemente, vários teólogos e religiosos eminentes participaram nos conclaves enquanto cardeais não bispos, graças à dispensa prevista por Cum gravissima. Citemos notadamente o cardeal jesuíta Henri de Lubac, figura maior da teologia do século XX, presente no conclave de 1978, ou o cardeal Roberto Tucci, outro jesuíta, que participou no de 2005.

O Cardeal Radcliffe e o Conclave de 2025

A criação cardinalícia do dominicano Timothy Radcliffe em 2023, com dispensa explícita da ordenação episcopal, se inscreve nesta continuidade histórica apresentando ao mesmo tempo características próprias. Teólogo reconhecido, antigo mestre geral de sua ordem (1992-2001) e comunicador talentoso, Radcliffe encarna uma tradição intelectual e espiritual dominicana que o papa Francisco quis honrar e integrar no seio do Colégio eleitoral.

Sua participação prevista no conclave de 2025 perpetua assim uma tradição antiga, dando-lhe ao mesmo tempo um significado renovado no contexto eclesiológico pós-Vaticano II. Ela lembra que o cardinalato, mesmo estando hoje estreitamente associado ao episcopado, conserva uma identidade própria e irredutível, ligada à sua função específica de assistência ao papa e de eleição de seu sucessor.

Significado Teológico e Eclesiológico

A presença de cardeais não bispos nos conclaves reveste um alcance teológico profundo, que ultrapassa a simples questão disciplinar ou canônica.

Ela manifesta primeiramente a distinção essencial entre poder de ordem e poder de jurisdição na Igreja católica. Se a ordenação episcopal confere a plenitude do sacramento da Ordem, a participação no governo central da Igreja e na eleição pontifícia se insere em outra lógica, a da comunhão hierárquica e do serviço petrino.

Esta realidade lembra igualmente a dimensão carismática e não somente institucional da Igreja. Ao permitir a homens de perfis diversos – teólogos, religiosos, pastores – participar na eleição do sucessor de Pedro, a Igreja reconhece que o discernimento espiritual que preside a esta escolha crucial pode ser enriquecido por sensibilidades e experiências diversas, para além do só ministério episcopal.

Finalmente, a presença destas figuras excepcionais sublinha a liberdade soberana do papa na composição do Colégio Cardinalício. Ao dispensar certos cardeais da ordenação episcopal, o pontífice exerce uma prerrogativa que manifesta a dimensão pessoal e não somente colegial de seu ministério, lembrando que o sucessor de Pedro, mesmo sendo cercado pelo Colégio dos Bispos, possui uma autoridade própria e singular na Igreja.

A participação de cardeais não bispos nos conclaves, longe de ser uma anomalia ou uma sobrevivência anacrônica, constitui assim um elemento significativo do equilíbrio institucional e teológico da Igreja católica. Ela testemunha uma tradição viva que, mesmo evoluindo ao longo dos séculos, mantém este princípio fundamental: o cardinalato, embora hoje geralmente associado ao episcopado, permanece uma dignidade específica, cuja missão primária – a eleição do papa – transcende as categorias institucionais ordinárias da hierarquia eclesiástica.

V. Papas Eleitos Sem Serem Bispos: Uma Possibilidade Teórica Enraizada na História

Se o cardinalato pode, em certas circunstâncias, ser dissociado do episcopado, que dizer do próprio pontificado supremo? A história e o direito canônico nos revelam uma realidade surpreendente: não só o papa pode ser eleito dentre não bispos, mas esta situação se produziu frequentemente até uma época relativamente recente, ilustrando a flexibilidade institucional da Igreja e a distinção fundamental entre eleição pontifícia e ordenação episcopal.

O Quadro Canônico: Uma Abertura Teórica Mantida

O direito canônico atual mantém uma possibilidade que pode parecer paradoxal à primeira vista: o sucessor de Pedro, Bispo de Roma e chefe visível da Igreja, pode ser escolhido dentre homens que ainda não são bispos. O cânon 332 §1 do Código de 1983 estipula com efeito:

"O Romano Pontífice obtém o poder pleno e supremo na Igreja pela eleição legítima por ele aceita juntamente com a consagração episcopal. Por isso, o eleito para o Sumo Pontificado que já tenha o caráter episcopal, obtém tal poder a partir do momento da aceitação; se o eleito não tiver o caráter episcopal, seja imediatamente ordenado Bispo."

Esta disposição estabelece claramente que a aceitação da eleição confere já ao novo papa o poder supremo, mesmo se a ordenação episcopal permanece necessária para o exercício pleno de seu encargo. Esta sutil distinção entre poder de jurisdição e poder de ordem reflete uma teologia complexa dos ministérios, onde a autoridade suprema na Igreja procede conjuntamente da eleição legítima e da consagração sacramental.

Teoricamente, todo homem batizado e celibatário (ao menos na disciplina atual da Igreja latina) poderia portanto ser eleito papa. Na prática, contudo, desde a institucionalização do Sacro Colégio como corpo eleitoral exclusivo, somente cardeais foram eleitos, e mais recentemente, unicamente cardeais que já eram bispos.

Uma Prática Histórica Frequente

A história pontifícia abunda em exemplos de papas eleitos quando não eram ainda bispos, ou mesmo, em certos casos, ainda não sacerdotes. Esta realidade, que pode surpreender o observador contemporâneo, testemunha uma concepção antiga onde a função petrina não estava sistematicamente associada à plenitude da ordem sagrada.

Durante o primeiro milênio cristão, vários papas foram escolhidos dentre os leigos ou os clérigos menores, notadamente São Fabiano (236-250), eleito quando era simples fiel, ou São Ágape I (535-536), que não havia recebido as ordens maiores. Estas eleições, frequentemente motivadas pela reputação de santidade ou pelas qualidades pessoais do candidato, se inscreviam num contexto onde as fronteiras entre estados de vida eclesiásticos eram mais fluidas que hoje.

A Idade Média conheceu vários casos emblemáticos, dos quais o mais notável é sem dúvida o de Gregório X (1271-1276). Thedaldo Visconti, arquidiácono de Liège – portanto diácono e não presbítero nem bispo – foi eleito ao término do mais longo conclave da história (quase três anos). Recebeu sucessivamente a ordenação presbiteral e depois episcopal antes de sua coroação. Papa reformador, foi precisamente ele que institucionalizou o sistema do conclave para evitar a renovação de tais vacâncias prolongadas.

O Renascimento e a época moderna também conheceram eleições de cardeais não bispos. Leão X (1513-1521), Giovanni de' Medici, foi ordenado sacerdote somente na véspera de sua eleição pontifícia, à idade de 37 anos. Mais tarde, Gregório XVI (1831-1846), monge camaldulense e prefeito da Propaganda, teve que ser consagrado bispo após sua eleição, sendo anteriormente apenas sacerdote.

As Motivações Históricas destas Eleições Atípicas

Vários fatores explicam a frequência histórica destas eleições de papas não bispos, ou mesmo não sacerdotes.

No nível eclesial, a ausência de uma sistematização teológica ligando necessariamente o ministério pontifício ao episcopado permitia considerar outras qualidades como determinantes: santidade pessoal, capacidade de governo, competência diplomática ou teológica, ou mesmo pertença a uma família influente.

Considerações políticas entravam igualmente em jogo, especialmente durante os períodos de forte interação entre poder temporal e poder espiritual. A eleição de um membro de uma poderosa família italiana (Médici, Farnese) ou de um candidato de compromisso entre facções opostas podia prevalecer sobre seu status clerical, que podia ser "regularizado" após a eleição pelas ordenações necessárias.

Finalmente, circunstâncias excepcionais – como o conclave interminável que conduziu à eleição de Gregório X – podiam levar os cardeais a buscar uma solução fora de seu círculo imediato, privilegiando a resolução de uma crise sobre a conformidade aos usos habituais.

Perspectivas Contemporâneas: Uma Possibilidade Teórica, Uma Improbabilidade Prática

Desde João XXIII (1958-1963), todos os papas eleitos já eram bispos no momento de sua eleição, geralmente há muitos anos. Esta evolução reflete a valorização da experiência pastoral e episcopal como preparação ao ministério pontifício, assim como a eclesiologia do Vaticano II que situa claramente o papa no seio do colégio episcopal, como sua cabeça e seu princípio de unidade.

A probabilidade de uma eleição contemporânea de um papa não bispo aparece portanto extremamente baixa, por várias razões convergentes:

Primeiramente, a composição atual do colégio cardinalício, onde a quase totalidade dos eleitores são bispos diocesanos ou prelados da Cúria que receberam a ordenação episcopal, torna estatisticamente improvável a escolha de um candidato não bispo.

Em segundo lugar, a eclesiologia pós-conciliar valoriza fortemente a experiência pastoral e o ministério episcopal como preparação ao serviço petrino, concebendo o papa antes de tudo como "bispo de Roma" e membro eminente do colégio episcopal.

Finalmente, a mediatização considerável do ministério pontifício contemporâneo favorece a busca de candidatos que possuam já uma estatura pública e uma experiência de liderança eclesial, características geralmente associadas ao episcopado.

Não obstante, a manutenção da possibilidade canônica de eleger um papa não bispo testemunha a prudência eclesiológica da Igreja católica, que evita ligar demasiado estreitamente o ministério petrino a condições prévias que poderiam limitar a liberdade dos eleitores ou a ação do Espírito Santo. Esta abertura teórica, mesmo que não se concretize mais na prática moderna, lembra que o sucessor de Pedro é antes de tudo escolhido por sua aptidão para confirmar seus irmãos na fé e servir à unidade da Igreja, para além de todo pré-requisito formal ou institucional.

VI. O Conclave: Um Ritual Milenar entre Tradição e Adaptação

O conclave, procedimento de eleição do Sumo Pontífice, constitui uma das instituições mais antigas e mais estáveis do mundo ocidental. Seu próprio nome – do latim cum clave, "com chave", evocando o encerramento dos eleitores – revela sua característica principal: o isolamento temporário dos cardeais para garantir a liberdade e integridade de sua escolha. Ao longo dos séculos, este ritual se adaptou às evoluções eclesiais e aos contextos históricos, preservando ao mesmo tempo sua essência: permitir a eleição do sucessor de Pedro num clima de oração, de discernimento e de independência.

Gênese e Desenvolvimento Histórico

A origem do conclave moderno remonta ao século XIII, num contexto de crise particularmente agudo. Após a morte de Clemente IV em 1268, os cardeais reunidos em Viterbo se encontraram na impossibilidade de acordar um candidato. A vacância da Sede apostólica se prolongou por quase três anos, até que as autoridades locais, exasperadas, decidiram encerrar os cardeais no palácio episcopal e racionar progressivamente sua alimentação para constrangê-los a uma decisão.

O cardeal finalmente eleito, que tomou o nome de Gregório X, tirou as lições desta experiência traumática. No Segundo Concílio de Lyon (1274), promulgou a constituição Ubi periculum, que institucionalizava a prática do conclave: doravante, dez dias após a morte do papa, os cardeais seriam encerrados num lugar fechado, com condições de vida progressivamente endurecidas até a eleição.

Este procedimento, ora suavizado ora reforçado pelos papas sucessivos, atravessou os séculos conservando seu princípio fundamental: o isolamento dos eleitores para garantir sua independência face às pressões exteriores e favorecer um discernimento espiritual autêntico.

Organização Contemporânea e Quadro Jurídico

O conclave atual é principalmente regido pela Constituição apostólica Universi Dominici Gregis, promulgada por João Paulo II em 1996 e modificada por Bento XVI em 2007 e Francisco em 2022. Este texto fundamental se inscreve numa tradição normativa multissecular, adaptando-a às realidades contemporâneas.

Os Participantes do Conclave

Somente os cardeais com idade inferior a 80 anos no dia do início da vacância da Sede apostólica podem participar na eleição. Esta limitação, introduzida por Paulo VI em 1970 (Ingravescentem aetatem), visava garantir o vigor físico e mental do corpo eleitoral. O número máximo teórico de eleitores é fixado em 120, embora esta cifra seja regularmente ultrapassada. Para o conclave de 2025, são previstos aproximadamente 135 cardeais eleitores, o que constituirá um número recorde.

Esta situação não resulta de uma dispensa papal formal, mas antes do exercício da prerrogativa pontifícia de criar cardeais segundo as necessidades da Igreja, independentemente dos limites numéricos teóricos. Esta flexibilidade testemunha a primazia do papa na determinação da composição do colégio cardinalício.

O Quadro Espacial e Temporal

O conclave contemporâneo se desenrola principalmente em dois lugares emblemáticos do Vaticano:

A Capela Sistina, onde ocorrem os escrutínios propriamente ditos, sob os afrescos de Michelangelo evocando a Criação e o Juízo Final – quadro grandioso que lembra aos eleitores a dimensão transcendente de sua missão.

A Residência Santa Marta, construída sob João Paulo II, que oferece aos cardeais condições de alojamento mais confortáveis que as celas improvisadas de outrora, mantendo ao mesmo tempo o princípio da clausura.

O conclave começa normalmente entre 15 e 20 dias após o início da vacância da Sede apostólica, permitindo a todos os cardeais chegarem a Roma e participarem nas "congregações gerais" preparatórias. Estas reuniões preliminares permitem aos eleitores trocarem sobre a situação da Igreja e os desafios do próximo pontificado, sem todavia constituir "primárias" formais.

O Isolamento: Princípio e Exceções

O princípio fundamental do conclave permanece o isolamento dos eleitores em relação ao mundo exterior, garantia de sua independência. Este princípio se concretiza por várias medidas práticas: proibição de telefones, tablets e outros meios de comunicação, varredura eletrônica dos lugares para detectar eventuais dispositivos de escuta, juramento de segredo absoluto sob pena de excomunhão latae sententiae.

Todavia, como precisa o artigo 44 de Universi Dominici Gregis, este isolamento conhece algumas exceções pragmáticas:

  • Os cardeais podem comunicar-se com seus dicastérios para negócios urgentes, após autorização da Congregação particular.
  • Em caso de doença grave atestada pelos médicos do conclave, um cardeal pode deixar a clausura para tratar-se.
  • Por qualquer razão grave reconhecida pela maioria do Colégio, comunicações com o exterior podem ser autorizadas.

Estas disposições ilustram a evolução de um sistema que, mantendo seus princípios essenciais, se adapta às realidades contemporâneas e às exigências práticas.

O Procedimento de Voto e a Eleição

O coração do conclave reside no procedimento de voto, minuciosamente codificado para garantir tanto a legitimidade do resultado quanto sua dimensão espiritual.

Os Escrutínios

Cada dia de conclave pode comportar até quatro escrutínios: dois pela manhã e dois à tarde. O dia começa com uma missa concelebrada em Santa Marta, seguida da recitação do hino Veni Creator invocando o Espírito Santo.

Na capela Sistina, cada cardeal recebe uma cédula retangular portando a inscrição Eligo in Summum Pontificem ("Elejo como Sumo Pontífice"), sob a qual inscreve o nome de seu candidato esforçando-se por disfarçar sua escrita. Em seguida, numa ordem protocolar precisa, cada eleitor avança em direção ao altar, presta juramento ("Tomo como testemunha Cristo Senhor, que me julgará, que dou meu voto àquele que, segundo Deus, julgo que deve ser eleito") e deposita sua cédula numa urna.

Três escrutinadores, sorteados dentre os cardeais, procedem em seguida à contagem: contam primeiro as cédulas, depois leem em voz alta os nomes, perfurando cada cédula com uma agulha no nível da palavra Eligo. Três revisores verificam depois a exatidão das operações.

As cédulas são então queimadas num fogão especial, cuja fumaça é visível da praça São Pedro. Um dispositivo químico permite produzir fumaça negra em caso de fracasso do escrutínio, ou branca quando um papa é eleito, sinal esperado com fervor pelos fiéis reunidos no exterior.

A Maioria Requerida e a Aceitação

Para ser eleito, um candidato deve recolher dois terços dos votos dos cardeais presentes. Este limiar elevado, mantido apesar de diversos intentos de reforma, visa garantir um amplo consenso em torno do novo eleito.

Se, após três dias de escrutínios infrutíferos (ou seja, 12 turnos de voto), nenhum candidato alcançou esta maioria, observa-se um dia de pausa para a oração e as trocas informais entre eleitores. Em seguida os escrutínios retomam segundo um ritmo que pode comportar pausas similares.

Uma vez alcançada a maioria requerida, o cardeal decano ou, se tiver mais de 80 anos, o cardeal bispo mais antigo por data de nomeação (e não o mais antigo por idade), pergunta ao candidato eleito se aceita sua designação. Para o conclave de 2025, esta responsabilidade caberia provavelmente ao cardeal Pietro Parolin, enquanto cardeal bispo mais antigo por data de nomeação, se o decano atual, o cardeal Giovanni Battista Re (nascido em 1934), não puder cumprir esta função devido à sua idade.

Em caso de aceitação, o eleito torna-se imediatamente Bispo de Roma e Sumo Pontífice, mesmo se ainda não é bispo (neste caso deve receber a ordenação episcopal o mais rápido possível). Pergunta-se-lhe então que nome deseja tomar – tradição que remonta ao século X, quando João XII mudou seu nome pagão de Octaviano.

Uma tradição quer que o papa recém-eleito dê seu barrete vermelho ao secretário do conclave, prometendo-lhe implicitamente fazê-lo cardeal num próximo consistório.

O Anúncio ao Mundo

Após vestir os hábitos pontificais brancos na "Sala das lágrimas" adjacente à Sistina, o novo papa recebe a homenagem dos cardeais e depois se dirige para a varanda central da basílica de São Pedro. É precedido pelo cardeal protodiácono (o mais antigo dos cardeais diáconos por data de criação) que pronuncia a fórmula tradicional: "Annuntio vobis gaudium magnum: habemus Papam!" ("Anuncio-vos uma grande alegria: temos Papa!"), antes de revelar o nome do eleito e aquele que escolheu como pontífice.

O novo papa dá então sua primeira bênção Urbi et Orbi (à Cidade e ao Mundo), marcando o início efetivo de seu pontificado.

Evoluções Recentes e Desafios Contemporâneos

O conclave, como toda instituição viva, conheceu adaptações significativas no curso das últimas décadas, refletindo tanto as transformações eclesiais quanto as evoluções societais.

Uma das modificações mais notáveis concerne à composição do corpo eleitoral. A internacionalização progressiva do Colégio cardinalício, particularmente marcada sob João Paulo II, Bento XVI e Francisco, transformou o que era outrora uma assembleia majoritariamente italiana e europeia num verdadeiro "senado" mundial da Igreja católica. Esta diversificação geográfica, cultural e teológica enriquece o processo de discernimento complexificando ao mesmo tempo as dinâmicas relacionais entre eleitores.

A questão da confidencialidade, sempre crucial, tomou uma dimensão nova na era das comunicações instantâneas e das tecnologias de vigilância. As medidas de segurança eletrônica se reforçaram consideravelmente, e as sanções contra as violações do segredo conclavista foram reafirmadas por Francisco em suas emendas a Universi Dominici Gregis.

Finalmente, a mediatização crescente das transições pontifícias coloca um desafio inédito. Se o próprio conclave permanece hermeticamente fechado, seu ambiente está agora saturado de informações, análises e às vezes especulações, criando uma pressão indireta sobre os eleitores. O equilíbrio entre a legítima informação dos fiéis e a preservação da serenidade do discernimento cardinalício constitui um dos maiores desafios dos conclaves contemporâneos.

Apesar destas evoluções, o conclave conserva sua função essencial: permitir a eleição do sucessor de Pedro num clima de oração, liberdade e discernimento espiritual. Este ritual milenar, regularmente adaptado mas nunca fundamentalmente transformado, testemunha a capacidade da Igreja católica de manter suas instituições fundamentais atualizando-as face aos desafios de cada época.

Conclusão

A exploração profunda do cardinalato e do conclave, através de suas dimensões históricas, teológicas e canônicas, nos revela uma instituição notavelmente adaptativa, que soube atravessar os séculos preservando seus fundamentos essenciais e evoluindo segundo as necessidades da Igreja e os contextos históricos. Esta plasticidade institucional, longe de ser um sinal de fraqueza ou inconsistência, testemunha ao contrário uma vitalidade fundamental e uma capacidade de conjugar fidelidade à tradição e abertura às novas realidades.

O cardinalato contemporâneo, mesmo estando agora geralmente associado ao episcopado, conserva uma identidade própria e irredutível. A persistência dos três ordens cardinalícias – bispos, presbíteros e diáconos –, a possibilidade mantida de dispensas da ordenação episcopal, e a preservação do direito exclusivo de eleição pontifícia, manifestam a especificidade teológica desta dignidade. O caso emblemático do cardeal Timothy Radcliffe, que participará no conclave de 2025 sem ser bispo, ilustra perfeitamente esta distinção fundamental e a flexibilidade canônica que dela deriva.

O próprio conclave, procedimento eletivo milenar, demonstra a mesma capacidade de adaptação: seu princípio fundamental – o isolamento dos eleitores para garantir um discernimento livre e espiritual – permanece intacto, enquanto suas modalidades práticas evoluíram para responder às realidades contemporâneas. O aumento do número de eleitores além do limite teórico de 120, os ajustes pragmáticos ao princípio de isolamento absoluto, e a internacionalização crescente do colégio eleitoral testemunham esta evolução permanente na continuidade.

Esta tensão criadora entre tradição e adaptação reflete uma característica essencial da eclesiologia católica: a convicção de que as estruturas institucionais, mesmo sendo necessárias à vida da Igreja, permanecem a serviço de sua missão fundamental e devem portanto conservar certa plasticidade. O cardinalato não é um fim em si mesmo, mas um serviço; o conclave não é um simples mecanismo eletivo, mas um processo de discernimento espiritual.

Na véspera do conclave de 2025, esta perspectiva histórica e teológica nos lembra que, além das análises estratégicas e das especulações midiáticas inevitáveis, a eleição de um novo papa permanece antes de tudo, para os crentes, um ato de fé na providência divina e na assistência do Espírito Santo. O ritual secular do conclave, com suas cédulas queimadas e sua fumaça branca, simboliza esta convicção profunda: no próprio coração dos mecanismos institucionais mais elaborados da Igreja, é sempre o mistério que, em definitivo, predomina.

Para aprofundar